terça-feira, 13 de abril de 2010

Pão da Discórdia



Tchuru-ru-ru... Não sei o por quê, mas tava tendo uma sessão nostalgia aqui em casa, lembrando dum negócio que me aconteceu há alguns anos. Bom, dizem que recodar é viver, né?

Pois bem, continuando o assunto..., o caso é o seguinte: eu devia ter lá meus 13, 14 anos no máximo, e como todo garoto sofredor dessa idade tinha que acordar cedo todo santo dia pra ir à escola. Merda, né? Oh céus...

Acordava puto da vida toda manhã reclamando da jornada tortuosa que eu tinha que cumprir nos meus intermináveis dias.
E olha que eu ainda tinha que conviver com a incompreensão de uma pessoa que diversas vezes se mostra inconveniente na vida de todos nós, conhecida como mãe "ai, vc devia ter vergonha de reclamar assim, tanto menino por aí que não tem a oportunidade de estudar. Que pecado! Você é uma pessoa de sorte, viu?" E blá blá blá. Ficava lá dando a palestra dela sobre as dificuldades do povo brasileiro, minimizando meus sacrifícios, veja só.

Okay, depois de ouvir meia hora de ladainha, me encaminhava pra comprar o pão, enquanto a minha mãe fazia um café gostosinho pra mim (que ilusão, o café dela quase sempre é ruim).

Num certo dia, aparentemente comum como todos os outros, saí da minha casa pra ir buscar meu pãozinho de todas as manhãs. Quando cheguei na padaria quase tive um ataque cardíaco com o que tava acontecendo lá na porta, tava tendo tipo uma revolução no local do pão sagrado.

Parece que a irresponsável da funcionária incumbida de abrir o estabelecimento não colocou a porra do despertador pra tocar. Tava todo mundo esperando o pão do lado de fora.

Então a cena que se segue é realmente assustadora. Mulheres chorando, crianças perdendo os dentes, velhos gritando algo do tipo "A-E-I, nós vamos invadir" e "queremos pão pra população", e comunistas exigindo a estatização da padaria. Os padeiros por sua vez, tranquilamente procuraram uma sombra e foram jogar um truco.
Diante desse quadro de terror instaurado, eu peguei uma pedra e me escondi atrás de um carro que usei de barricada pra tentar defender a minha vida.

Passado um tempo o motim foi perdendo força. As mulheres pegaram as crianças pelo braço e foram ver o programa da Ana Maria Braga, os velhos foram pra casa tomar um mingau, e os comunistas abriram uma cerveja e foram fazer de fora no truco.

Como tudo parecia estar mais calmo e o perigo aparentemente havia passado, resolvi sair do meu esconderijo secreto pra ir em busca de comida, percebi que a muié num ia acordar mais mesmo pra abrir aquela merda. Então simplesmente tive a idéia de ir na padaria concorrente. Olha que idéia genial! Como sou esperto! Pensei no que ninguém pensou.

Ledo engano, quando cheguei na outra padaria tava todo mundo lá; as mulheres, as crianças, os velhos, geral já tava lá; até uns comunistas comprando salame e azeitona pra fazer tira-gosto e acompanhar a cerveja que eles tavam bebendo com os padeiros do truco.

Peguei uma fila quilométrica. Pra falar a verdade o pão nem tava valendo tanto a pena assim, mas agora era uma questão de honra. Como eu ia me olhar no espelho e poder por a minha cabeça no travesseiro e dormir com a consciência limpa se não desse o meu melhor pra trazer pão pra minha família?

Depois de aproximadamente 3 horas de espera peguei o pão vitorioso e saí vazado pra casa. Afinal, minha mãe já devia tá ligando pro IML numa hora daquelas e a aula já tinha ido pro saco pelo tanto que eu demorei.

No caminho de volta da longínqua padaria, percebi que algo estranho pairava no ar: num momento me vi sozinho na rua, o Sol deixou de brilhar, um nevoeiro sinistrão cobria a paisagem, eu sentia o cheiro de conspiração e tocaia daquele ambiente para comigo.
De repente da fumaça e do silêncio apareceu um cachorro, uma verdadeira besta-fera (nem sei se tem hífen), que devia ter sido adestrado pelo próprio Tinhoso do Abismo. Sei lá, parece que do nada alguém tinha aberto o portal do inferno ali na minha frente.

Não preciso nem falar que obviamente o monstro começou a latir e correr atrás da minha pobre e indefesa pessoa pra me matar, né?

Então eu corri mais que Usain Bolt no dia em que ele bateu o recorde mundial dos 100m, mas logicamente o cão das trevas corria pelo menos 10 vezes mais rápido que eu. Já tinha dado meu último gás, ligado meu ultra-turbo, porém o insistente do bicho só chegava mais perto.
Já tava sentindo o bafo do cachorro no meu cangote e pensando meus últimos pensamentos "fim da linha, baby. Adeus, mundo cruel!" Eu tava indo a passos firmes em direção à luz.

Quando tudo parecia perdido, tudo escrito e imutável, o milagre aconteceu: o saco de pão soltou da minha mão e caiu no solo. Primeiramente pensei "merda, vou chegar em casa morto e sem o pão. Minha mãe num vai querer nem me fazer um velório digno." Mas quando olhei pra trás vi que o cachorro preferiu saborear os pãezinhos caído no chão à minha canelinha e parou de correr atrás de mim.

Sério, se eu ainda tinha alguma dúvida que Deus existia, essa dúvida foi embora nesse dia.

Mas pra não dizer que tudo acabou feliz, quando cheguei em casa minha mãe foi logo dizendo "cê tá de brincadeira, né, muleque? Te peço pra ir buscar um pão e você me volta 15 horas depois todo suado, fedendo, uniforme rasgado, despenteado e o pior, sem o pão?!?!?! Já que faltou na escola vai ficar aí nessa cadeira estudando o dia inteiroooo."

Tsc, tsc... vida injusta. Me sacrifíco tanto pra trazer o pão pra essa família e é dessa forma que sou retribuído. Porra de vida ingrata. Bahhh.

Um comentário:

  1. que historia mais "Drake & Josh" heim...

    mas você daria prum bom escritor viu.

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